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O bairro de Vauban, perto de Friburgo, na Alemanha. Junho 30 2009, The Independent
A cidade de Vauban, na região sudoeste da Alemanha, quer construir uma comunidade modelo, da qual quer excluir uma das maiores aquisições da vida contemporânea – o automóvel. Este local, onde o cantar dos pássaros substituiu o barulho do trânsito e as crianças já podem brincar na rua, tem os seus defeitos. De acordo com Tony Paterson do The Independent, padece de “monoculturalismo de classe média”.Os alemães deram ao mundo o Audi e a auto-estrada, mas eliminaram de Vauban tudo o que tivesse quatro rodas e um motor. Neste subúrbio da cidade universitária de Freiburg, canteiros de flores exuberantes substituem o que normalmente estaria estacionado à frente das aprumadas casas de classe média. Em vez do bulício do trânsito, os residentes ouvem o cantar dos passarinhos.
"Se quiser ter carro, tem de pagar cerca de 20 mil euros por um lugar", diz Andreas Delleske, um dos fundadores do projecto, "mas perto de 57 por cento dos residentes venderam o carro que tinham para usufruir do privilégio de viver aqui". Consequentemente, a maior parte dos residentes anda de bicicleta ou no “tram” que liga Vauban ao centro de Freiburg. Se quiserem um carro para ir de férias ou para fazer mudanças, alugam um ou entram num esquema de carro partilhado.
Como não há carros, os responsáveis pelo planeamento de Vauban prescindiram quase por completo das estradas. As ruas e os caminhos são todos empedrados ou cobertos de gravilha e os automóveis só têm autorização para passar quando vão descarregar bens essenciais. Viver sem carros é apenas o começo daquela que é considerada uma das experiências ecológicas mais bem sucedidas na Europa e encarada como um projecto para o futuro.
As elegantes casas de Vauban, cidade com 5300 habitantes, têm umas amplas varandas e umas enormes janelas de sacada que dão para uns pacatos jardins. A impressão geral é a de uma pessoa ter sido apanhada num anúncio da empresa IKEA. Mas se o aspecto do bairro é eminentemente classe média, há uma revolução ecológica a fervilhar no subsolo. Todas as janelas têm vidros triplos. O sistema de ventilação proporciona a todos os apartamentos um ar fresco permanente. A maioria das casas está equipada com painéis solares e motores cogeradores inteligentes, que funcionam a aparas de madeira para aquecimento e fornecimento de energia eléctrica. A maioria das casas de Vauban gera um excesso de energia eléctrica e vende a que não utiliza às companhias de distribuição e fornecimento de energia.
Delleske tem imenso orgulho no facto de a sua casa de 90 m2 ser aquecida por uns meros 114 euros ao ano. "Quase toda a gente paga isso pelo aquecimento de um mês", afirma. Prescindiu da canalização das sanitas, chuveiros e lavatórios: os resíduos são transformados em composto nas sanitas biológicas e a água do banho e da lavagem da louça é filtrada e utilizada no jardim.
Vauban começa a ser conhecida. Todos os dias chegam seis ou sete camionetas de excursionistas – que estacionam nos subúrbios. À entrada, são saudados pelo slogan: "Estamos a construir o nosso mundo". Mas as origens deste subúrbio distanciam-se de todo este idealismo. Tudo começou em 1937, ao servir de aquartelamento ao exército da Wehrmacht de Hitler. No final da II Guerra Mundial, foi ocupada pelo exército francês e recebeu o nome de Bairro Vauban. Após a reunificação alemã e a retirada dos franceses, o bairro foi entregue à cidade de Freiburg, em 1994.
Pouco depois, um grupo de pessoas, quase todas da classe média e com uma grande consciência ecológica, criou o Fórum Vauban e entrou em negociações com a autarquia local. Nessa medida, foi criada uma comissão para desenhar casas ecologicamente sustentáveis. A maior parte dos edifícios militares do período nazi foi deitada abaixo e a reconstrução do local contou com a participação de mais de 60 arquitectos.
O projecto faz-nos pensar na força do movimento ecologista alemão. A autarquia de Freiburg é liderada por uma coligação de vereadores conservadores e dos Verdes, com estes últimos a ocupar a maioria dos mandatos. Nas últimas europeias, os Verdes conseguiram cerca de 60 por cento dos votos em Vauban. Este bairro também contraria a reputação da Alemanha de ter uma das mais baixas taxas de natalidade do mundo: cerca de 30 por cento dos seus habitantes têm menos de 18 anos. Ute e Frank Lits mudaram-se há cinco anos. Os filhos, de seis e 10 anos, quando saem do T4 da família no valor de 250 mil euros ficam logo no meio de um jardim comunitário. "Queríamos comprar uma casa e os princípios ecológicos desta localidade agradaram-nos", referiu Ute Lits. "Mas a razão principal é Vauban ser perfeita para as crianças. Têm um tipo de liberdade que muito dificilmente se encontraria num normal apartamento de cidade."
Não há nada que atormente o admirável mundo novo de Vauban, a não ser o tipo de monoculturalismo de classe média. No exterior de um antigo edifício nazi, actualmente a funcionar como restaurante orgânico, onde se comem uns ravioli de ricotta e carne de avestruz, é difícil encontrar alguém, novo ou velho, que não seja europeu. Wolfgang Konradi, animador sociocultural, diz que os adolescentes do bairro se comportam como qualquer jovem daquela idade. "O problema maior são os pais que vivem na expectativa de os filhos serem cidadãos exemplares", lamenta. Ina, sua mulher, acrescenta: "Isto aqui é muito agradável, mas é um pouco como se vivêssemos numa campânula de vidro. Acho que não gostaria de viver aqui para sempre."
Tony Paterson